Coloquei pra tocar hoje o sexto disco do The Cult e fiquei pensando como ele é esquecido na discografia do grupo inglês e como é o meu predileto deles.
Claro, Love [1985], Electric [1987] e Sonic Temple [1989] são icônicos e trazem clássicos como She Sells Sanctuary, Rain, Revolution, Love Removal Machine, Fire Woman e Edie [Ciao Baby], mas The Cult [1994], que ironicamente traz simplesmente o nome da banda, é tido como uma quase maldição - o grupo se separou durante a turnê dele aqui no Brasil em 1995, com direito a treta generalizada na Praia de Copacabana entre membros e equipe.
Bom, antes de qualquer coisa queria dizer que venho refletindo há algum tempo do quanto eu simpatizo com esses discos tortos no geral, aqueles álbuns vistos como um Patinho Feio na obra das bandas, muitas vezes renegados pelos próprios integrantes.
Geralmente esses discos são compostos quando as bandas tentam se adequar a uma tendência da época, talvez por influência natural [difícil, mas acontece] ou isso é era imposto pela gravadora para obter algum êxito comercial.
Claro, pode ser ganância dos músicos: “vamos tentar seguir a linha dessa banda do momento que vamos atrair o público dela pra gente”. Spoiler: dificilmente isso acontece e ainda ganha a fama de traidô [ou coisa do tipo] pelos fãs antigos.
Algo me leva a gostar desses discos fora da curva, e acredito que por uma questão de geração eu vi de perto o lançamento de vários deles naquele período de ascensão do grunge, onde muitas bandas com carreiras consolidadas tentaram gravar discos mais sujos [sic], simples [sic] ou emulando ecos dos nomes em evidência na época.
The Cult é um deles, sai de cena o post-punk, gótico e até uma veia mais hard rock e heavy metal [que não por acaso retorna no disco seguinte, Beyond Good and Evil, de 2001], e um lado mais rock alternativo ganha espaço.
É nítido que o vocalista Ian Astbury passava por um momento de lidar com seus fantasmas interiores, a primeira frase em Gone, faixa de abertura, é a reflexão: “So your anger didn´t carry you too far, What´d you expect anyway?”.
Black Sun tem pouco mais de seis minutos e traz Astbury expondo ao mundo o abuso sexual que sofreu quando era criança. Nela, contrasta o peso da lírica com a leveza sonora, fico pensando que se não tivesse um teclado e o produtor Bob Rock caprichasse no peso teria mais cara de algo do Alice In Chains e ou do Soundgarden.
A morte paira em algumas letras: Naturally High traz o frontman exorcizando a perda do amigo Nigel Preston [baterista e um dos fundadores do Cult], - “some of my friends, they died real young” -, e em Sacred Life ele chega a citar nominalmente pessoas que partiram cedo, como Abbie Hoffman, River Phoenix, Kurt Cobain e Andrew Wood [Mother Love Bone]
Universal You [letra abaixo] carrega um pouco do clima místico que costuma fazer parte das canções de Astbury e Billy Duffy, mas certamente o instrumental bebeu na fonte grunge.
Don´t you know I´ve got a pagan heart?
I love the Earth
I´m not a preacher
Hey there brother, glad to see you
Não faltam belas músicas, como a sequência com Joy e Star [esta resgatada de 1986 mas com uma roupagem provavelmente influenciada pela fase Zooropa, do U2, que saiu em 1993].
Seja na microfonia da introdução e na sujeira de Coming Down [Drug Tongue], nos sete minutos da melancólica Saints Are Down, ou na estética da arte do disco [com uma cara do it yourself] e dos próprios membros da banda, o grunge está ali. O estrago - seja lá qual sentido você quiser dar - estava feito!
ps* sai a pose gótica messiânica hard rocker e entra esse visual grunge de boutique