E então passei a acordar de sonos intranquilos. Angústia, sensação desértica, falta de ar… “Olha ao seu redor, tudo isso é ar!”, pffff Tá, e daí, que tem ar eu sei, o problema é que o oxigênio não tá fazendo o caminho que tinha que fazer… Tá, eu sei, ele até faz, mas meu cérebro diz que não, não sou eu…
Paralisado, de lado, escorado entre dois travesseiros e a parede… Ali acordei, ali fiquei… Minutos, horas, a manhã… Almocei ali, e daí?!
Queria água com gás, quem sabe as bolhinhas fazem aquele maldito caminho que o ar não tá fazendo… Ele faz, mas meu cérebro não tá entendendo isso…
Pra comprar água com gás eu teria que sair da cama, me vestir, pegar o elevador, passar pelo porteiro, e depois o jornaleiro, mais adiante o padeiro, até chegar ao mercadinho… Não vou, eu nem queria mesmo…
Minutos, horas, a tarde toda… Angustiado, paralisado… O planner ali do lado dizendo: “organizar tal coisa”, não, obrigado, “escreva sobre algo”, pfff, quero não, “vá buscar o resultado do exame”, ai, me deixa…
Minutos, horas, vem a noite e, bom, sono eu já tive o dia todo, mas não de quem quer dormir, mais algo como de quem não quer existir… Resistir ao movimento - seja ele qual for… Existir, pura e simplesmente, escorado entre dois travesseiros e a parede…
Sirene lá fora, acho que é bombeiro, se o prédio cair talvez me achem nos escombros e me tirem da minha cama, quem sabe até passem no mercadinho e eu possa comprar uma água com gás…
Não foi um, não foram dois dias, não foi uma semana, até então quase chegando a duas e meu quarto ficando de uma cor indizível, paralisado, mas o coração acelerado, estagnado, mas o pé tal qual asa de beija-flor…
Sem água com bolinha, sem vida, sem graça… “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, sei lá, se me permite, Caetano, “cada um sabe a dor e a desgraça de ser o que é”. “Te amo de graça, te amo, desgraça”, esse é Baco Exu do Blues… E me lembro que “nunca foi sorte, sempre foi macumba”, a frase impressa no toldo da loja de artigos religiosos, que li num dia que passei com pressa, mas tive tempo de achar graça…
Minutos, horas, dias longos, noites conturbadas, sonos intranquilos… Eu só queria a Palestina livre, uma água com gás e quem sabe colocar em prática ao menos alguma coisa do planner, mas não, eu tô aqui paralisado, sufocado, dissociado… Metamorfoseando num inseto monstruoso… O próprio Gregor Samsa…
Shutdown…
Já nem sei mais se dormia, mas então Kafka olha pra mim e diz: “São só 10 dias de Ritalina!”. Pois é, eu sei, acho que vai passar… Se não passar eu vou pra Gaza, se passar eu vou comprar água com gás…
ps* a trilha sonora poderia ser qualquer uma do Mad Season, mas acho que “All Alone” se encaixa bem. Amanhã eu volto e troco de música - mentira, vou querer trocar, mas vou me censurar.
Meu tipo de newsletter! Gracias 😜
Yuri, seu texto me lembrou do livro "o perigo de estar lúcida". Parece que esses momentos de uma total paralisia e força é próprio dos criativos.
Uma hora a água com gás vem! ✨