Comprei uma bermuda do Bob Marley e ela mudou a minha vida. Calma, eu explico!
Sei lá, eu tava passando em uma avenida e vi um rapaz com uma banquinha montada em frente a um banco e nela algumas bermudas falsificadas da Nike voavam com o passar dos carros. Conforme fui me aproximando uma me chamou a atenção: nela, ele, como bem definiu Anthony Kiedis, o poeta e profeta!
Dois manos estavam empolgadíssimos analisando a peça ali na calçada, então fiquei embaraçado de me juntar a eles naquela contemplação ao mestre [sempre desobedecer, nunca reverenciar, pois é, eu sei, Belchior], então segui adiante.
Ali minha vida já havia mudado, eu não tirava aquela vestimenta da cabeça: eu PRECISAVA daquela bermuda!
Segui minha caminhada, como sempre faço pelo menos uma hora por dia, mas meu pensamento já estava possuído pelo ritmo ragatanga pela ideia fixa de Bob Marley, profético, poético, e um leão, sim, um belo leão.
Fiz meia volta e avistei que os parças não estavam mais lá e displicentemente mandei:
- Essa do Bob, chefia, tá quanto?
- Dá pra fazer por 40, amigo!
Por dentro a bermuda já era minha, mas minha cara de paisagem não deixa isso claro e então ouço:
- Trinta e cinco, você leva agora!
- Nóis, disse enquanto pagava e ainda ouvi o vendedor falar que o tecido era cuS03hnbvc [realmente eu não ouvi porque passou um busão] e que era o mesmo que a Adidas fazia agasalho.
Cheguei em casa e logo experimentei: preciso botar na rua esse #lookdodia agora!
Camiseta do Guns N´Roses diretamente de 1991 quando eu tinha 14 anos e comprei pelo Correio e ela, a tão sonhada bermuda do Bob Marley.
Fui em um mercadinho, desses de bairro onde algumas marcas de produtos só existem nesses lugares, sabe, e na porta o adolescente que às vezes vende pano de prato ou balas mandou: - salve Comunidade, vai um docinho aí pra ajudar a família?!
Virei Comunidade, não moço, não tio, entende?!
Quando fui atravessar a rua, um motoboy simplesmente fez um cumprimento de cabeça e sinalizou para eu passar. Eita, pensei, e do outro lado da calçada vi uma moça bonita, me lembrou a Alex Vause, do Orange Is The New Black, me olhando e - eita de novo - colocou a bolsa para o outro lado do corpo - oposto ao que eu passava.
Mais a frente uma senhorinha estava saindo da igreja e ao me ver voltou abruptamente para dentro, eita atrás de eita, até que, FUÓN, uma moto da polícia costura um carro e passa lentamente do meu lado… Ouço o barulho do Poncherello [sim, fui criança nos anos 80, então, sim, CHiPs] chegando e ele e Jon Baker se olham, me olham, e, ufa!, me liberam.
Do momento que vi a bermarley até a primeira volta que dei com ela a minha vida já havia mudado. A sociedade está sempre pronta para te julgar, condenar e/ou inocentar, quem sabe até se solidarizar, mas a gente nunca está pronto para quando isso de fato acontece.
Em 2013, eu morava em um prédio em uma rua loooooooonga e que só tinha edifícios, um colado ao outro, uns horríveis com cinco andares abaixo do térreo, daqueles que você abre a janela do quarto e dá de cara com um muro - sim, horrível, eu disse!
Antes desse bairro ser totalmente gentrificado - de ter bakery ao invés de padaria, por exemplo - eu resolvi deixar crescer um mullet. Eu usava um boné antes que o corte tomasse forma, até que tirei ele da cabeça à medida que aquele penteado apareceu.
Os porteiros da maioria daqueles prédios, que antes não me notavam, passaram a dar um bom dia, um boa tarde, um festivo oba!, um boa noite, às vezes, dependendo do horário, um bom trabalho ou um bom descanso… E os cobradores de ônibus faziam questão de cumprimentar quando eu passava pela catraca.
A semiótica aplicada na prática no cotidiano: símbolos, signos e identificação.
Bob Marley foi um dos maiores pacificadores na história da música mundial, e ainda assim teve que fugir da Jamaica após sofrer um atentado. Admirado por muitos, julgado e condenado por outros.
Tudo que eu queria era compor #ootd daora, sabe?!, mas a sociedade nunca vai deixar de nos surpreender - de modo positivo ou negativo.
Sigo caminhando, acompanhado de um sereno Bob Marley e protegido por um - hmmmm - leão - hmmmmm - de fucking dreads - pois é, desculpe, mas nesse caso nem a semiótica das ruas vai nos dar uma explicação!
ps* Me lembrei que já citei esse combo Bob Marley e Red Hot aqui [e Nick Cave], então tem algo flanando ali no meu subconsciente.